... O meu cantinho

sexta-feira, junho 30, 2006

Crónicas da 3ª Idade

Sinceramente não me assusta muito a ideia de envelhecer, apesar de todos os dias me defrontar com uma sociedade que claramente previlegia a beleza jovem em detrimento daquela mais madura, em que vejo a cada momento novas publicidades a cremes anti-rugas e aos novos métodos da cirurgia estética. O que me assusta a mim é ver as pessoas mais próximas envelhecer... E não falo de ver fotos com 10 ou 15 anos de existência com o meu pai menos careca ou a minha mãe mais esticada. Falo sim de os ver perder a memória, vitalidade ou coerência.

Olho para a minha avó de 87 anos e por vezes esqueço-me que é um contentor imenso de informação, de experiência. Conseguem imaginar o que se vive durante 87 anos?! Tomara eu um dia chegar a esta idade, mas sinceramente não o quero se chegar sem companhia ou sem saúde. Saúde ela vai conseguindo ter, nos últimos 2 anos resistiu a dois AVCs e a um tumor no colon, sem qualquer tipo de mazelas. Uma saúde que hoje reflete uma vida sem administração de medicamentos e desenvolvimento de muitas defesas imunitárias devido à falta de condições que teve ao longo da sua vida. Companhia perdeu-a muito nova e ainda hoje chora quando me vê sentada de pernas cruzadas à chinês, enquanto diz "O teu avozinho sentava-se sempre assim na cama a ouvir o rádio, naqueles dias em que o tempo não nos deixava ir para o campo"...

Porém é tudo muito complicado quando entendemos que nem tudo passa pela aparência física e pela saúde do corpo e da matéria. Estes anos todos implicam muita teimosia, muita perda de memória e para isto nada mais há que um Noostan ou um Socian para que lhe estimulem a capacidade cerebral. E é disto que tenho receio e medo.

Sentir que a minha mãe e o meu pai estão cada dia mais velhos, tal como eu e que podem perder as capacidades que têm. Se o meu pai nunca conseguirá passar uma tarde sentada no café ou no jardim com uns compadres a jogar uma sueca, a minha mãe é tão semelhante à minha avó! Deve doer sentir que a nossa mãe nos conta todas as semanas as mesmas coisas como se fosse a maior das novidades, que vive dizendo que não dorme nada e que quer tomar comprimidos pa dormir porque todas as amigas do centro de dia também tomam, quando a ouço ressonar todas as noites. Sentir que todos os dias chora porque tem um desequilibrio emocional grande e basta-lhe ver a praça da alegria para se emocionar... É muito duro, e se é duro por vezes é também impossível de aguentar.

Hoje a minha mãe já lhe dá placebos para dormir e ela acha que já dorme bem. Não há um só dia em que alguém perca a paciência com ela porque torna-se uma tarefa muito complicada ouvir algumas barbaridades que diz ou os disparates que faz...

Eu não quero recordar os meus pais assim e tenho medo que a minha mãe um dia que fique sem a minha avó, ao pensar nela se lembre apenas das birras dela para tomar banho. Vai-me assustar o primeiro dia em que a minha mãe não se lembrar do que fez há duas horas atrás ou que conte por duas ou três vezes o que se passou há 20 anos, no dia tal, às mesmas pessoas.

Talvez um dia, quando os meus pais envelhecerem, em vez de lhes dar os tais placebos para que possam descansar lhes dê já um comprimido, não que lhes rejuvenesça a cara ou o corpo, mas a alma, aquela que ainda hoje continuam a negligenciar.